Texto por Carolina Vaz, publicado originalmente em 07/10 no Jornal O Cidadão
Colaboração de Ana Cristina da Silva
Um rapaz pinta o cabelo de loiro, segurando um espelhinho de borda laranja, enquanto as crianças fazem a caixa d’água de piscina. Uma cena, para os cariocas, bem típica do Rio de Janeiro, mas houve quem visse essa pintura em tábuas de madeira e dissesse “Isso é tão São Paulo”. É para mostrar as semelhanças e diferenças entre favelas e favelados de quatro estados do país que a exposição Favela em Fluxo acaba de ser aberta no Museu da Maré. A abertura aconteceu em 30 de setembro, iniciando uma nova temporada desta exposição itinerante que já passou por Recife e Salvador. Favela em Fluxo fica na Maré, com visitação gratuita, até 03 de novembro, e é promovida pelo museu paulista Museu das Favelas.
Favelados do sudeste e do nordeste
São 20 obras, de 22 autorias (artistas ou coletivos), oriundas de favelas de Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, portanto as mesmas cidades que receberam ou receberão a exposição, e que são também as cidades de origem dos quatro curadores e curadoras envolvidos no evento. Diversos tipos de materiais e formatos foram utilizados nas obras, tais como pintura, mosaico em mármore, fotografia, audiovisual e escultura. Elas retratam pessoas, paisagens, imaginários e histórias, referenciando cultura popular, história da população LGBTQIAPN+, divindades como São Jorge e também Cosme e Damião, dentre muitas outras referências.
Algumas das obras presentes são fotografias do cotidiano. Foto: Carolina Vaz.
O evento teve sua abertura na última segunda-feira (30) e contou com a apresentação da mareense Preta QueenB Rull. Marcaram presença nomes importantes na concepção e realização do Favela em Fluxo, como o diretor-geral do Museu do Amanhã Ricardo Piquet; a diretora do Museu das Favelas Natália Cunha; o curador Leonardo Moraes; e o diretor do CEASM Luiz Antonio de Oliveira. Abrindo o evento, Leonardo comentou que a exposição traz um convite ao mergulho na “essência” de uma favela, ao mesmo tempo respeita a multiplicidade desses territórios periféricos cujos artistas são sempre discriminados e reduzidos.
Abertura foi realizada no galpão, com apresentação de Preta QueenB Rull. Foto: Carolina Vaz.
Artistas cariocas na abertura
Uma das obras em audiovisual é o filme Noite das Estrelas, do coletivo Entidade Maré. No evento de abertura, o coletivo foi representado pelas irmãs Wallace Lino e Paulo Vitor Lino, que contaram terem sido convidadas para a exposição, e se sentirem animadas com a circulação da obra em outros três estados. “A Noite das Estrelas é um patrimônio cultural da Maré, a gente tem se relacionado com essa memória como um patrimônio. Então, a gente está muito feliz do filme estar no Favela e também de estar circulando pra outros espaços… e que ele seja replicado muito mais!”, comentou Wallace.
Wallace Lino (de branco) e Paulo Vitor Lino levaram o filme Noite das Estrelas. Foto: Carolina Vaz.
Outra representação mareense no time de cinco autorias cariocas foi Gael Affonso, com a pintura Banho de Sol, que retrata três jovens tomando banho de sol na laje. Segundo Gael, a obra já esteve na Semana de Arte Favelada, em 2022, e também na exposição de Matheus Affonso no próprio Museu da Maré, mas esta é a primeira vez em que circula para terras mais distantes. Para Gael, sua presença entre as cinco autorias cariocas tem importância: “Eu fico muito feliz de participar da exposição enquanto uma pessoa não binária favelada e estar representando o Rio de Janeiro, a favela da Maré em uma exposição do Museu das Favelas”, contou.
Gael Affonso com a obra “Banho de sol”. Foto: Carolina Vaz.
A exposição Favela em Fluxo promove, de fato, um “fluxo” pelas obras: divisórias em ferro, coloridas, provocam a pessoa visitante a percorrer um caminho certo, tendo também a chance de entrar em pequenas salas com obras em audiovisual, como a própria Noite das Estrelas. No final, a última obra é um convite à contemplação: o chão foi adesivado como ladrilhos, típicos de uma casa de subúrbio, e há cadeiras de praia voltadas para a obra Verão Marginal, do carioca Albarte. Ele esteve presente na abertura, e contou ter exposto Verão Marginal pela primeira vez onde mora, no Complexo do Chapadão. Na verdade, a obra em exposição faz parte da subsérie Verão Marginal, em que mais peças falam sobre o verão carioca de uma perspectiva “marginal”, fora da Zona Sul da cidade, que é o mais vendido como publicidade do município. Ele comentou as referências da obra: “Às vezes a cadeira eu pego de um lugar, o tijolo de outro, a arminha de água de outro e essa bandeira do Brasil (abaixo da caixa d’água), ela sendo um centro é uma referência de uma outra obra minha que se chama ‘As margens que banham o centro’”. Colocando as pessoas periféricas no centro da bandeira nacional, Albarte inverte o que se entende como margem e centro.
Albarte, artista do Complexo do Chapadão, assina sua obra junto a um grupo de pessoas do projeto Verão Marginal. Foto: Carolina Vaz.
Sentimento de identificação
Segundo Natália Cunha, diretora do Museu das Favelas, esta é a primeira edição do Favela em Fluxo, e um dos desafios da equipe de expografia foi adequar todas as obras ao espaço disponível em cada cidade. No caso do Museu da Maré, a recomendação é que se percorra todos os 12 tempos da exposição de longa duração do Museu, e após o Tempo do Medo viria o Tempo do Futuro, hoje ocupado pelo início da nova exposição. Em Salvador e no Recife, onde a exposição já passou, as escolhas foram diferentes, mas para a Natália, que esteve em todas as aberturas, há um ponto de unanimidade:
Natália Cunha comentou suas impressões sobre a passagem da exposição pelas capitais. Foto: Carolina Vaz.
“[As reações dos visitantes são] de identificação, de pertencimento e de poder estar consumindo uma exposição num lugar de arte, sabe, com a linguagem que é da favela, com a diversidade da favela representada. Então é o artista que leva sua família e convida os seus amigos, porque são todos artistas de favela”. – Natália Cunha, diretora do Museu das Favelas
Serviço:
Exposição itinerante Favela em Fluxo
De segunda a sexta-feira, das 09h às 13h e das 14h às 17h; até o dia 1º de novembro
Museu da Maré
Avenida Guilherme Maxwell, 26, Maré.
Entrada gratuita